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terça-feira, 3 de agosto de 2010

O amor tem suas flutuações. Não vá desistir do seu antes da hora

Passado o frenesi da paixão, quando um só tem olhos para o outro, o casal vive uma outra fase do amor, mais tranquila, em que os parceiros começam a retomar a individualidade. Essa mudança muitas vezes não acontece ao mesmo tempo para os dois, o que requer de ambos um esforço de compreensão, sob o risco de pôr a perder uma relação promissora.

O ser humano deseja ao mesmo tempo estabilidade e aventura - como nas sagas dos heróis, em que há um período de perigos e façanhas e, depois, a recompensa de uma vida tranquila ao lado dos entes queridos. Para muitos de nós, histórias e mitos são suficientes para satisfazer o desejo de aventura. Tomamos contato com eles sentados na nossa poltrona preferida ou deitados em nossa cama. Enquanto o herói enfrenta apuros nós também os enfrentamos, mas em segurança. Muitas vezes nosso desejo de aventura se aplaca quando nos sentimos na pele do herói. No entanto, nem sempre é assim. Premidos pela curiosidade e pela insatisfação com a rotina, procuramos "sarna para nos coçar", como diriam nossos sábios avós.

Porém, o desejo de estabilidade permanece, ainda que essa estabilidade seja cada vez mais difícil de se alcançar num tempo em que tudo se move. Karl Marx (1818-1883), o filósofo e economista alemão, já dizia que "tudo que é sólido se desmancha no ar". Do universo estático da Idade Média, quando o homem tinha o conforto da previsibilidade, passo a passo chegamos a um mundo em perene movimento. Em seu livro Do Big Bang ao Universo Eterno, o físico carioca Mario Novello (68) escreve que um dos últimos redutos que ainda tínhamos como estático - o Universo - é visto hoje como dinâmico e histórico. Tudo se agita. E, no entanto, continuamos precisando de estabilidade, tanto quanto de instabilidade. O leitor de aventuras está estável, lendo seu livro, e ao mesmo tempo instável, identificando-se com o herói. O soldado está num cenário convulso, com bombas ameaçando explodir seu acampamento, e em meio a tal instabilidade busca estabilidade na fotografia da amada, que contempla e beija para se assegurar a existência de um corpo e de uma alma que o acolherão.

Para duas pessoas apaixonadas, a estabilidade existe na forma de ininterrupção. Eles desejam estar e estão sempre que podem juntos. Isso, para eles, é amor. Só têm olhos um para o outro e nada que não seja sua paixão os distrai. Porém, cedo ou tarde a paixão dá lugar a um sentimento mais tranquilo, que permite que se olhe para os lados, para fora da relação apaixonada. A pessoa que estava perdida dentro da outra retoma a individualidade e, ao fazê-lo, vive processos e sentimentos que estavam latentes. Seu amor, mesmo que sólido e incontestável, não se traduz mais em dedicação total. Agora existem aproximações e afastamentos, flutuações de intensidade e qualidade, sentimentos paradoxais, ambivalências, fantasias, curiosidades que fazem olhar para além da relação.

A mudança pode acontecer em tempos diferentes para cada um. E aquele que continua apaixonado não entende o que se passa. Acha que não é mais amado, e isso se torna fonte de malentendidos. É importante que um se ponha no lugar do outro para entender o que está vivendo, mas pedir isso a um apaixonado é quase perda de tempo. O esforço virá mais facilmente daquele que já passou o período de paixão absoluta. Ele terá condições de compreender e acolher a incompreensão do parceiro, sem se revoltar com o que poderá ser sentido como tentativa de controle e dominação. Talvez valha mais a pena este esforço do que simplesmente se afastar de uma relação amorosa promissora.

Por Nahman Armony, médico psicanalista, membro da Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle (Spid), do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro e da Federação Internacional das Sociedades Psicanalíticas. Publicou, entre outros livros, Borderline: Uma Outra Normalidade. E-mail: nahman@uol.com.br

Do Portal Caras


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