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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Na casa do Tio Chico

Tio Chico, Madrinha Izaura e Tia Cotinha.

Irmãos de meu pai. Os três na faixa dos sessenta anos de idade. Solteirões convictos.

Moravam juntos lá no Lago do Pesqueiro. Numa típica casa amazônica, ribeirinha. Construída sobre pilares altos por causa das enchentes do rio Solimões. Lá as casas são tão altas que uma pessoa adulta passa sem problemas por baixo do assoalho.

Estas lembranças são de quando eu tinha mais ou menos 20 anos de idade. Sempre que conseguia uma folga de alguns dias ia para a  "casa do Tio Chico".

O paraíso na Terra.
 
Primeira providência ao chegar era tirar o relógio do braço. Desnecessário. Lá o tempo corre em outro ritmo. O dia realmente começa ao nascer do sol e termina ao anoitecer.
 
Acordava com o cantar do galo, com a passarinhada, com os sons da natureza saudando o novo dia.
 
Parece que estou vendo Madrinha Izaura fazendo o café no fogão à lenha, na chaleira tisnada, passado no coador de pano.
 
E o cheiro?
 
O cheiro! Não tinha igual!
 
Levava longe a notícia do melhor café das redondezas.
 
Para comer com o café, peixe frito com farinha d´agua. Fresquinho, tirado das malhadeiras que Tio Chico havia colocado à noite no lago. Tambaqui, jaraqui, pacu, cará... Ou pirarucu, que nunca falta numa casa de caboclo trabalhador.

Depois do café, Tio Chico, Tia Cotinha e Madrinha Izaura já estavam às voltas com as tarefas do dia.

Dar comida pros animais. Retirar os ovos das poedeiras. Vigiar as que estavam no choco. Espantar o jacuraru que espreitava os pintinhos. Varrer o terreiro. Buscar água no lago. Encher os potes. Pescar o almoço.

O almoço!

Por mim esperado com ansiedade.

Se Tio Chico ainda nao voltou com os peixes, que tal uma galinha?

Escolhe uma no terreiro. Corre atrás. Pega. Depena. Trata. Tempera. Cheiro-verde, tomate, cebola, pimenta de cheiro e mais um tanto de sei-lá-o-que...

Delícia!

Galinha, arroz e farinha!

À tarde, não sendo época de colheita não havia muito o que fazer além de esperar o jantar.

A natureza rege o tempo, janta-se antes do anoitecer.

Não há energia elétrica. E comer peixe com espinhas à luz de lampião é meio complicado.

O segundo maior medo de Tio Chico era engasgar com espinha de peixe.

Só perdia pro medo de ferrada de arraia.

No Lago as casas são bem distantes entre sí. Costuma-se reunir os mais próximos na casa de alguém, geralmente parentes. Vêm chegando em fila indiana. Costume indígena. Ou porque os caminhos são estreitos mesmo e sempre tem a ameaça de alguma cobra sorrateira.

As crianças inventam suas brincadeiras. Os homens se distraem numa conversa mansa na sala, à luz do lampião, sentados no chão, pitando cachimbo, cigarro de palha. As mulheres na cozinha, café na hora, bolinhos de farinha...

Por volta das oito da noite é hora de voltar pra casa. Se aquietar.

A noite é feita para o repouso no Lago do Pesqueiro.

Um comentário:

  1. Você escreveu tão saudoso e entusiasmado que senti o cheiro, o calor e o carinho da casa do Tio Chico.
    Parabéns.

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